domingo, 15 de setembro de 2002
"A PROSTITUIÇÃO D ALMA PARA A MANUTENÇÃO DE SEU LABOR."
"O mundo não se desenvolve sem o capitalismo. Vivemos a triste ilusão de um mundo sem fronteiras e com isso logramos nosso ego, dizendo a ele que somos homens modernos, com uma cultura civilizada, pois somos detentores de um profundo conhecimento, de uma tecnologia que gera máquinas para o nosso melhor “progresso” e que, de certa forma, julgamos dominá-las. No entanto não nos damos o luxo de questionar sobre o que seja esse conhecer, esse modo de inter-ação entre máquina-homem-capital, referência do homem do século XX.Sabemos que conhecemos (não necessariamente o conhecer da função do capitalismo e da modernização-mecanizada) mas não conhecemos as causas de nosso saber e com isso estamos sempre acreditando e dogmatizando novos saberes que a cada dia nos sugestionam a tomada de decisões e ações. Com a globalização, o capitalismo e a era tecnológica, o homem aos poucos vai sendo dispensado das grandes indústrias pois não há mais espaço para o seu serviço braçal, embora toda a estrutura que o cerca tenha surgido de sua força física. Nessa guerra caótica que envolve o homem, principal vítima de seu próprio progresso, surgem fatos a serem considerados como: - a angústia do homem-empregado ao ser excluso do sistema (capitalista), - a invalidez temporária ou permanente desse homem-empregado, seguindo a tradição do sistema (capitalista), pois que aquele que hoje, século XX, não possui um vínculo empregatício com o setor público ou privado, pelas leis frias do capital é considerado um inválido. A própria instituição governamental que deveria dar condições de sustento a esses cidadãos, hoje chamada Previdência Social, que em realidade não age como o seu nome nos sugere pois que, - previdência - , deriva-se de pré-ver, uma certa pré-evidência de fatos que poderiam dar tranqüilidade àqueles que sustentam a dita repartição do governo (os proletários), quando em verdade, distorcem todo o conceito de seu significado. Assim é comum vermos homens, brasileiros, com uma carta na mão atestando o seu estado de inválido pois que em nosso país aquele que não produz bens que geram retorno monetário é assim considerado. - O desvio comportamental do excluso, que aqui poderíamos definir como o surgimento de mais um personagem conceitual em nossa existência - o desempregado. (Por vezes caio em dúvida se devo proceder e insistir tanto nesses assuntos laborativos, pois não sei se isso é de interesse da filosofia - a crítica a tal área - . Penso que sim pois ao meu ver, questões relacionadas a sobre-vivência do homem são as principais responsáveis por sua de-gradação, e também por ser uma questão que envolve toda a banalidade do ser, portanto, devo de quando em quando, lançar todas essas críticas para que um dia possam ser analisadas e discutidas sob o contexto que hoje vivo - a era tecnológica). Esse personagem conceitual - o desempregado - revela a de-cadência do ser em toda a sua plenitude. Somos lançados-no-mundo buscando a razão de nossa abertura a esse mundo e de repente, - o desempregado - perde todo o seu vínculo, as razões que segundo ele, justificam o seu existir. Enclausura-se no âmago de seu ser e restringe-se apenas em pensar através de um conceito pré-existente sobre o que seja a de-cadência humana e assim isola-se de seus con-cidadãos muitas vezes fazendo-se passar por vítima de um sistema medíocre quando em verdade ele próprio contribuiu anos e anos para a expansão desse mesmo sistema. O fato é lamentável e revela parte do - que é o homem? - hoje tão discutido em universidades e círculo filosóficos espalhados pelo globo. O homem é escravo de suas ambições. Uma vítima de sua própria criação lutando (na condição de - o desempregado) com todas as suas forças para manter-se exposto-no-mundo. Tenta em vão adquirir dignidade, honra e tudo isso que o senso-comum classifica de virtudes, porém todas as suas virtudes ficaram retidas em alguma organização da qual subordinou-se por quase toda a sua existência. Esse fato é extremamente importante de ser analisado e re-visado por quantas vezes forem necessárias. A enclausura do ser, pode estar co-relacionada a vínculos laborativos-monetários. Esse sistema sombrio que ronda a existência humana é um grande transformador das questões geográficas do planeta e também das questões emocionais provindas de um desgaste mental. Se por um lado o sistema laborativo causa danos aos que dele se excluem, por outro, o dano causado aos que ainda se aventuram nas águas revoltas desse sistema capitalista também se faz imanente as causas, ou seja, aqueles que ainda se mantém em seus empregos, em seus postos de exploração vêem-se na obrigação de suprir a falta do companheiro excluso e assim entregam toda a sua-existência a essa máquina aniquiladora, deus monoteísta do homem moderno que exige almas em seu sacrifício - o deus capital. Esses que mantém-se no sistema laborativo capitalista, aceitam toda uma série de imposições, de cobranças sociais, fatos, exigências de toda espécie para a manutenção de seu labor gerando assim situações de ridicularidade, pois estranhamente modificam sua atitude mental e adotam a postura de um “personagem conceitual”, alguém que o identifique na sua frenética corrida pelo capital. A aquisição de uma personalidade que aja em função de um conceito deixa o homem perturbado, sem personalidade própria. Transforma-se num objeto, uma peça apenas de um jogo sujo e ambicioso em que uma minoria mandatária escraviza e monopoliza essas pobres almas. O homem passa então a prostituir-se vendendo seu corpo, seu pensamento e seu modo de agir a terceiros que apenas querem que produza resultados. O homem moderno é um construtor quantitativo, para ele tudo deve ser representado por números que possam trazer como resultado, outros números, novas possibilidades e toda a existência pelos números. E há nesse contexto, seus paradoxos como por exemplo - quando o número for revertido ao deus capital deverá ser extremamente grande, exagerado, potência máxima de seu limite - a isso chamam de lucro. Quando porém os números vêm do deus capital, (o que poderíamos chamar de graças), as graças que ele nos proporciona é sempre menor do que os louvores que o rendemos. Numa situação corriqueira, como numa empresa, a obsessão pelos números é tão grande que todos os homens que nesses locais labutam são apenas representações de quantidades em números. Perdeu-se com o decorrer do processo industrial, a identidade, a personalidade humana pois agora o homem a vende na forma-de-prostituir-se. É comum então vermos nas grandes empresas os funcionários serem tratados na prática como números. Temos em grandes organizações um número de registro, uma matrícula que identifique seus funcionários. Onde antes existia um ser humano chamado José, hoje existe um número que poderá ser substituído e eternizado dentro dessas organizações. Mesmo aqueles que conseguiram uma melhor posição, um cargo que represente superioridade perante os outros, não passa de um número dentro dessas organizações. Na contagem de seus funcionários as empresas jamais utilizam um organograma em que apareçam os nomes de seus colaboradores. O que vemos é sempre a indicação de números que ocupam determinados cargos. Ao invés de termos a indicação de fulano - presidente, beltrano - ajudante ou ciclano vendedor, temos - presidente = 01, ajudante = 60 (além de beltrano ser um número ele não tem nem ao menos o privilégio de saber que posição ocupa entre os 60 ajudantes) vendedores = 10 e assim prosseguindo até os mais baixos cargos (baixos cargos sob a ótica dos administradores de empresas pois para mim, enquanto ser-e-filósofo, todos os cargos são de igual importância, aliás a bem da verdade, meu sincero desejo seria aniquilar essa estrutura trabalhista medíocre que o homem atual se subordina). Nota-se que independente da posição ocupada, o ato de prostituir-se se faz presente em todos os homens que fazem do capital seu único sentido de vida. A prostituição da alma para a manutenção do labor consiste portanto nessa “venda” de caráter, personalidade e do próprio corpo ao chamado capitalismo. Vê-se, num processo de de-cadência, o homem limitando seu pensar, negando-se a seguir outros caminhos por ser escravo do dinheiro que o compra. O atual homem é pago para calar-se e agir pela vontade de quem o sustenta. Temos, nesse lamentável quadro as várias formas de prostituição: - é comum encontrarmos mães que abandonam seus filhos aos cuidados de terceiros (também prostitutos da alma) pondo o capital e seus reflexos em primeiro plano, homens que em seu lar são tidos como homem duros, sem temor algum e que diante daqueles que o sustentam adquirem uma postura, um modo de agir totalmente adverso daquele quando longe do trabalho. Esses mesmos que atacam as verdadeiras prostitutas o fazem de modo inconsciente, pois assim agindo tentam curar suas feridas por saberem que são idênticos à elas. O fazem de maneira a transferir responsabilidades, culpas, remorsos, pois essa sociedade que me desgasta com tantos infortúnios rotula sempre uma categoria para arcar com os seus dissabores morais e éticos. Há sempre um determinado grupo que represente determinada categoria que servirá de exemplo de má conduta, de atitudes imorais perante essa hipócrita sociedade que se ofusca pelos próprios argumentos. O homem haverá sempre de transferir suas culpas, pois considera-se apenas vítima do mundo, dependendo desse sistema para que possa dar continuidade à sua existência. Apenas como exemplo de transferência de responsabilidades citarei um caso, provindo de experiência própria: Certa feita encontrava-me em discussão sobre sociedade com um meu amigo e disse a este sobre a minha insatisfação com a sociedade, seus meios e seus fins, e a de-cadência humana pelo dinheiro. A resposta que obtive desse amigo, para minha surpresa foi a seguinte: “É fácil resolver o seu problema. Mude-se para o Amazonas. Vá viver numa comunidade indígena em meio a floresta amazônica que lá, certamente, você não precisará de dinheiro”. Refleti alguns segundos e tornei a ele dizendo que meu problema não era com os índios, pois estes já estavam civilizados, mas sim com o homem-máquina. Ilustro essa passagem apenas para que se possa perceber a morbidez do ser humano quando ameaçamos mexer em suas tradições. Para o referido amigo do exemplo, mais fácil seria eliminar do meio ao qual está inserido, aquele que questiona seu modo-de-ser-no-mundo. Mais prático para ele é manter-se na inércia, na aceitação e no comodismo do seu medíocre-modo-de-existir-e-ser-no-mundo do que parar por alguns instantes em sua curta vida para pensar sobre o sentido de sua existência, aliás o que os índios poderiam lhe proporcionar de valor para a continuidade de seu prostituir-se?"
Leia o original com figurinhas, além de outros textos interessantes do mesmo autor em:
Filosofia brasileira ao alcance de todos - Austrus Barus http://www.austrus.hpg.ig.com.br
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