quarta-feira, 16 de julho de 2003

A MORTE DO GATO PIPOCA
(Eduardo José Closs)

Desde que o gato nasceu o Velho judiava do bicho. Foi crescendo aquele bichinho malhado, tão bonitinho, peludinho e perigoso. Como era inquieto e saltitante, o nome mais adequado era Pipoca. Eles viviam em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, chamada Taquari.

No domingo o Velho recebia a família e amigos. Sempre tinha um para passar a mão no bichano. O que não sabiam era que o bicho arranhava qualquer um que chegasse muito perto. Dali a pouco:

- Ai! Esse bicho filho da puta me arranhou! – reclamou o compadre.
- É assim mesmo, só deixar ele quieto. – respondeu o velho.

Tudo seguia em paz, nenhum problema. O Velho sabia que o bicho arranhava, ele adorava aquele gato. Era a maior diversão deitar na rede e ficar atiçando o Pipoca, que arranhava mesmo, mas o Velho sabia lidar.

Assim, muito tempo foi passando, o gato cresceu. Os netos sempre reclamavam:

- Vô, o Pipoca me mordeu!
- Vô, o Pipoca me arranhou!
- Pipoca! (xingava o velho) Pára de encher o saco, o sem vergonha!

O Velho teve a brilhante idéia de trancar o gato numa sala pouco usada, as visitas ficavam sempre na cozinha, perto do fogão a lenha, ou na rua perto da churrasqueira. Como a garagem era aberta, lá seria o melhor lugar. Preparou a caixinha de areia, comida e água e deixou o Pipoca lá.

- Veio, o que tu fez com o gato? – perguntou a mulher.
- Coloquei naquela sala.
- Mas ele não vai caga a minha sala?
- Não Veia, ta tudo certinho pra ele lá.
- Acho bom!

As visitas foram embora, o Velho abriu a porta da sala e se deparou com o sofá, as poltronas, almofadas e os tapetes rasgados.

- Gato di merda! Cocô atrás da porta tu não faz, xixi no chão não fez, espalha a comida, não espalha. Virá a água, não vira. Mas rasgou tudo aqui dentro. Até as cortinas, agora que eu vi!

Não era pouca coisa, o bicho era tinhoso. O Velho teve então, outra idéia:

- Vou amarrá esse bicho filho duma égua!

Não adiantou, o gato dava um jeito de acabar com a coleira. Se prendesse com a corrente, não parava de miar, se enroscar, fazer barulho. O Velho decidiu se livrar do gato. Como? Ninguém queria um animal tão bonito que dava tanto trabalho e incomodação. Se bobeasse, batia até em cachorro grande.

Decidiu pedir uma caixa de papelão no boteco. Chegou em casa fez furinhos na caixa e colocou o Pipoca dentro. Foi para garagem e fez o que há muito não fazia, pegou o seu Fiat 147 e saiu.

Andado mais de vinte quilômetros de estrada de chão batido, estava longe de casa e só havia mato nas redondezas. Ele havia escolhido um lugar para soltar o Pipoca, e que o gato que se virasse para sobreviver. Nunca mais veria o animal, mas também não o deixaria morrer, porque sabia que ele poderia sobreviver naquele ambiente. Pegou a caixa no banco de trás e arremessou sem tirar o gato lá de dentro. Caiu no meio do mato.

Viu que o gato não fugiu, e antes que isso pudesse acontecer, entrou no carro e dirigiu até em casa.

Fim de semana foi uma maravilha. Nenhum problema. Recebeu os parentes, os amigos, fez festa. Nada de incomodação.

Passou uma semana e poucos dias. O Velho acordou pela manhã, bem cedo, umas seis, tomou o chimarrão. O sol nasceu, fez um dia bonito. Ele deu comida pros porcos, pras vacas, pras galinhas. Viu o Pipoca brincando com as borboletas. Estava indo ver o que a mulher iria preparar para o almoço:

- Peraí? O Pipoca voltou?!

Por mais inacreditável que fosse, o gato havia voltado. Estava mais magro, apareciam as costelas do gato, mas sim, ele havia voltado.

Os fins de semana, ou os dias em que recebia visitas se tornavam uma desgraça. O Pipoca não parava de arranhar todo mundo.

Certa tarde de sábado o velho pegou a inchada e cavou um buraco bem no fundo do sítio.
Domingo, o velho foi o primeiro a acordar.

- Aonde vai tão cedo, meu Velho?
- Vou resolver um probleminha, Véia.

Pegou o revólver 22, carregou e colocou na cinta. Com uma mão ajuntou o Pipoca, que estava dormindo quietinho na sua cestinha, e com a outra, a inchada. Jogou o Pipoca no valo, puxou a arma e deu um tiro fatal. Sem pensar, viu o bicho morto, que nem reagiu, apenas morreu. Tapou com terra e voltou para casa.

O fim de semana estava uma beleza, para os visitantes é claro. O Velho estava mudado. Comeu, mas conversava pouco. Todos começaram a estranhar. Pela tarde ele começou a beber até que, começou a abrir seu coração:

- Vocês querem saber por que eu tô mais quieto hoje? Então eu vô dizê, porque não agüento mais as cumadi comentando. – os olhos do Velho encheram-se de lágrimas – Eu matei meu amiguinho hoje de manhã! Coitadinho! – e chorava - Não tinha culpa! Eu que incomodava o bichinho! Eu que criei ele daquele jeito! Ele só queria brincar! Ele arranhava forte, até cortava a mão da gente, mas fui eu que ensinei ele assim! Que injustiça ele teve que pagar! Eu é que devia ser morto por ensinar um animalzinho tão bonzinho... Queridinho... Bunitinho... A ser tão malvado. Eu que devia tá enterrado! Desde pequenininho eu via ele brincar naquela grama, ali... Naquela grama... Por que eu fui tão mal assim? Por quê, meu Deus?

Todos assistiam, pasmos, o lamento do Velho.

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