Histórias Podres: Visita ao advogado
Eram meados de 2002, Cabeçudo mantém relações de amizade com um ex-colega de ensino médio, o Gordo.
Gordo descobriu que não era o curso de eletrônica que ele queria, foi estudar direito em Canoas e havia trocado Novo Hamburgo por Porto Alegre. Cabeçudo e Garça, mantinham continuado no curso técnico, haviam se formado, e continuavam no ramo, estudando engenharia.
Certo dia, Cabeçudo recebe um convite para ir na sexta-feira na casa de Gordo em Porto Alegre, que pede para que ele convide também o ex-colega Garça. Nessa altura da vida Gordo estava praticamente casado, enquanto seus amigos "fracassados" ainda estavam na faculdade, apenas estudando e morando com a mamãe.
Gordo gostava de se vangloriar por trabalhar menos da metade que cada um dos amigos e ganhar mais que o dobro. Gordo achava que tinha superpoderes de advogado, e gostava de fumar maconha em lugares públicos, na rua, na calçada, nos bares, em qualquer lugar. Dizia ele que não poderia ser preso porque um membro da OAB deveria estar presente no momento da prisão. A polícia, segundo ele, o respeitava, e ele aprontava as maiores barbaridades, e "os porco" ainda chamavam ele de "doutor".
Cabeçudo era muito inteligente, homem de pensamentos rápidos, voz grave como a de locutor de rádio, mas de fala lenta. Criado em família católica, tinha valores apesar de gostar de alguma enrascada de vez em quando.
Garça, melhor amigo de Cabeçudo era um deprimido nos últimos, vivia bebendo e fumando. Bebendo demais nos fins de semana e fumando à todo momento, emendando um cigarro no outro. A toda hora, Garça se apaixonava por alguma garota e fazia alguma merda bem grande, depois se arrependia, perdia a garota e se deprimia mais ainda.
Então era sexta-feira, Cabeçudo pegou o monza 1984 da família, Garça embarcou e foram para mais uma aventura em suas vidas.
Ao chegar na capital dos gaúchos, se dirigiram ao bairro onde morava o amigo Gordo. Gordo morava num prédio que ficava no final de um beco. Haviam muitos carros na calçada, mas arrumaram um canto para estacionar. Ao adentrar na casa de Gordo, haviam mais pessoas lá, eles haviam feito uma festa com os amigos do trabalho da companheira de Gordo. O Gordo tava bêbado, com a garrafa de uísque na mão, já solicitou aos amigos que pegassem um copo, eles haviam acabado de jantar, pediu aos amigos que se acomodassem.
O pessoal na casa do Gordo era uma galerinha do bem, gente jovem e bonita, comportada. Já de "los três amigos" não se pode dizer o mesmo, pelo menos quanto ao comportamento. Os três, que estavam vivendo por volta dos 23 anos de idade, eram comportados em sociedade e tal, pessoas de família, mas gostavam de algumas travessuras, como fumar um beck, se embebedar, mijar onde não se deve... essas coisas de gente bêbada.
Buenas, não demorou muito, Gordo disse pra mulher (dele) que no momento lavava a louça:
- Bem, eu tô saindo com meus amigos, vou dar uma volta...
Talvez ela tivesse respondido alguma coisa, mas quando viu, os três embarcavam no renault 19 ratch (99 branco) do Gordo.
- E aí, prá onde é que nós vamos? - Perguntou Garça no banco de trás.
- Vamo no Enigma, em Gravataí. - Respondeu o Gordo, dirigindo.
- E tua mulher, vai ficar sozinha? - Pergunta Cabeçudo.
- Ah, a mulher deixa eu sair, desde que eu não apronte muito. Mas a gringa é braba, rapaiz!
Garça:
- Braba?
- É, bah eu fico na maior vagabundagem em casa, tenho uma pilha de processo, mas não resolvo nada. Fico em casa dormindo até as quatro da tarde. Esses dias ela me acordou, voltou do trabalho me pegou dormindo. Quebrou uma cadeira nas minhas costas.
- Hahaha!
- E a vida de advogado? - Cabeçudo.
- Ah, é tranquila, cheio de processo e tal, de vez em quando eu atendo o telefone e escuto gente falando que vai me matar...
- Tá mas esse enigma aí, como é que é?
- Ah, é um lugar legal, tem duas pistas. Numa pista é som, na outra vai ter Charles Master, que eu quero ver.
E conversavam pelo caminho, los três hermanos, hermanos de la confusion...
O Enigma era um local grande, tinha até um buteco lá dentro com algumas mesas. Pediram alguma bebida, cerveja ou chop talvez. Ao se embebedarem, Garça e Gordo começaram a cantar Legião Urbana. Cabeçudo mais intelectual, se indignou: anojava o Renato Russo, legião pra ele era música de vileiro. Mas os dois cantaram mais uma canção.
Garça:
- Mas que putedo mais feio tem em Gravataí, olha só. Prefiro Novo Hamburgo, se bem até que tem algumas gatinhas, mas a concentração de gente feia nesse lugar é bem grande!
Cabeçudo:
- É tu que não tá acostumado a ir em outros lugares... Acha que só fora da tua cidade tem gente feia. Aqui tem gente de tudo que é cidade da redondeza, não é só gente de Gravataí que vem aqui.
-É pode ser...
Gordo para Garça:
- Veja bem meu amigo, se acontecer alguma coisa aqui dentro, se der pau, o que tu faz?
Garça para Gordo:
- Bom, eu vim contigo. Tu é meu amigo! Isso é o principal! Se acontecer alguma coisa, é claro que eu vou ficar do teu lado. Se for prá apanhar junto, a gente apanha, se for pra correr junto, a gente corre. Um abandonar o outro, jamais!
Gordo para Garça:
- Então tá, só pra saber.
Garça para Gordo:
- Tá, mas tu tem algum problema, tem alguém querendo te pegar? Algum mané aqui quer brigar contigo?
Gordo para Garça:
- Ná, fica frio! Não tem nada, é só pra saber mesmo!
Garça para Cabeçudo:
- Eu tava falando com o Gordo aqui, se acontecer alguma coisa com qualquer um de nós, assim, por acaso, tu encara também.
Cabeçudo:
- Claro! Mas tem alguma coisa acontecendo que eu não tô vendo?
Garça:
- Não, é que nosso amigo Gordo tava conversando comigo sobre isso...
Cabeçudo:
- Vocês tão bêbado! Não que eu não esteja, mas essa estória de "eu sou teu amigo", é coisa de bêbado.
Cabeçudo:
- Vamos lá ver a banda que tá tocando!
Foram os amigos, havia uma banda tocando no palco de um dos ambientes do local. Ficaram curtindo o rock, que estava mais pra pop rock, que rock mesmo, enfim...
Garça, a procura de sexo, achou uma garota dançando lá no meio e parou atrás dela. Bunda pula, pula a bunda, olho de Garça na bunda. Garça fica excitado e pensa: "pula bunda, pula", "meu pau nessa bunda!". E foi o que fez. Ajeitou o pinto e ficou se esfregando na moça. A moça loira era bonita, tinha cabelos compridos e cheirosos, curtia a festa. O local estava lotado, o que favorecia a Garça tirar uma casca, ainda mais que se ela não gostasse, ele iria com a maior cara de pau dizer que estavam empurrando ele, que não estava se esfregando de propósito.
Cabeçudo, meio parado apenas batia o pé ao som da banda, ouvia o som, analisava a harmonia ou desarmonia, o som limpo ou sujo, a letra, a marca da guitarra, o pedal que o cara usava, os efeitos, os graves, os solos.
Gordo estava completamente eufórico, pulava, se debatia, berrava, curtia festa do jeito dele. Não queria nem saber de mais nada. Debochava nos intervalos das músicas pedindo prá tocar Raul. Pedia alguma música que os caras não tinham no repertório. Avacalhava com tudo.
A festa seguia, Garça querendo ficar com uma garota, Cabeçudo querendo curtir o som o ambiente, uma tragada lenta num cigarro, olhava as garotas apreciava observar os corpos das gatinhas, mas ainda sem nenhuma estratégia. Gordo queria avacalhar com tudo.
Estava tudo muito bom, mas Gordo ficou com vontade de mijar. E isso era um problema para os três. Gordo não foi ao banheiro. Haviam portas abertas que separavam um ambiente do outro, Gordo viu que o cantinho era escuro, pra quê ir no banheiro? Gordo foi no cantinho, olhou para os lados, não viu nenhum segurança. Era oportunidade perfeita para dar aquela mijadinha.
Garça estava prestes a atacar, mas cuidava sempre para manter os olhos nos amigos, para não se perderem. Ao olhar para Cabeçudo, esse fez um sinal com o dedo apontando para Gordo. Gordo estava sendo carregado pelos seguranças. Os dois amigos foram atrás, e saíram pela porta do local, por onde os seguranças haviam atirado o Gordo prá fora.
- Eu quero ver o Charles Master! Eu paguei! Vocês vão ver, eu vou processar esse lugar! - Gritava Gordo como se tivesse a maior razão do mundo.
- Tá, agora já saimos, não vai ter mais Charles Master. - Cabeçudo.
- O que tu acha que dá pra fazer? Já que tu é o advogado. - Perguntou Garça, querendo testar os superpoderes do amigo.
- Vamo procurá a polícia! - Gordo.
Os três saíram caminhando na rua na frente do local, até que acharam uma viatura. Os guardas da brigada não quiseram registrar ocorrência, disseram a Gordo que ele teria que ir até a delegacia. Gordo mostrou a carteira da OAB, passou a conversa. Os guardas disseram que estavam indo mesmo até um posto de polícia local, que ficava na mesma rua, e que poderiam levar os três de carona.
Foram os três na viatura da brigada militar...
Ao chegar no posto de polícia, havia um homem fardado, que registrava ocorrências. Gordo foi falar com ele, que tinha sido expulso do Enigma, mas o policial grande e impaciente, aos berros disse:
- O senhor quer reclamar alguma coisa? Pois o senhor está bêbado! Se quiser reclamar alguma coisa volta amanhã aqui de cara limpa! Eu tô com muito serviço pra ficar me preocupando com isso que o senhor tá me dizendo!
Gordo, Cabeçudo e Garça caminham, o caminho é longo, eles procuravam por táxi, se passasse algum pegariam para não ter que ir a pé. O carro estava estacionado perto do Enigma, que estava bem longe dali.
Cansados, os amigos adentram o carro. Cabeçudo segura o volante e desvia o carro para não bater. Gordo dirigia podre de bêbado. Voltaram a Porto Alegre, largaram o Gordo em casa, mas não chegaram a entrar. Se despediram na rua, Gordo lamentou mais uma vez ter perdido o show do Charles Master.
Cabeçudo dirigia o monza 84, e Garça, ao seu lado conversou um pouco com ele. Ao chegar na BR-116, apenas o rádio e o motor do carro faziam algum som, os dois não estavam mais conversando, e perto de São Leopoldo, Garça dorme
"Brok, brok, bloom, blomm, blom" - barulhos estranhos. - Hahahaha!!!
Garça abre os olhos, Cabeçudo se mija de tanto rir, ele pergunta:
- O que aconteceu?
- Eu durmi! - Cabeçudo.
- Puta merda! Hahaha! - Garça.
Os dois amigos estavam felizes, haviam escapado de um acidente que poderia ter acontecido na sinaleira que dá acesso à universidade Unisinos. O carro havia atropelado as "tartarugas" próximas à sinaleira, Cabeçudo dormiu no volante ao lado do amigo que também dormia. Foram embora. Cada um ficou na sua casa. No outro dia, Gordo ligou para Garça e perguntou o que ele tinha feito, Garça disse que ele havia mijado atrás da porta, então Gordo reconheceu o seu erro e assumiu que estava errado, e disse ao amigo que não iria processar ninguém. Garça teve certeza que Gordo não era tão poderoso como dizia.