Globalização e blocos econômicos
Almiro Petry (2007)
Processam-se, na sociedade contemporânea, profundas transformações
econômicas, comerciais, políticas, sociais, informacionais, culturais
e ideológicas. Durante a década de 1990, no ocaso do século XX,
consolidaram-se algumas configurações econômicas, comerciais e
políticas com os avanços da globalização econômica e do
neoliberalismo, estabelecendo novos intercâmbios . Segundo R. Petrella
(2001), a nova ordem globalitária (expressão de I. Ramonet, 1995),
articula-se em torno de cinco elementos-chave: o indivíduo – a
afirmação da primazia do indivíduo inovador, consumidor, produtor
(baseia-se no princípio de que cada um deve ser deixado livre para
fazer e interagir com o objetivo de maximizar sua utilidade
individual, fundamento da meritocracia); o mercado – a afirmação da
primazia do livre mercado em detrimento de formas cooperativadas,
mutuais, comunitárias, de gratuidade, estatais, o qual regulamenta
todas as modalidades de transações (assim, a sociedade é vista como um
mercado, ou seja, a sociedade de mercado); a eqüidade – é o princípio
de que o mercado realiza a verdadeira justiça social – ao contrário do
Estado de bem-estar – porque o indivíduo participa da concorrência,
gera sua empregabilidade (valoriza o princípio da responsabilidade
individual – manter-se competitivo, assegurar a formação contínua...);
a empresa privada – é a organização que, na sociedade de mercado,
melhor garante a coordenação das transações na concorrência – no
mercado regional e no mundial (por outro lado, é a organização que
mais usufrui a revolução da informática e das telecomunicações,
transformando-se num sistema-rede); o capital – é a medida para todos
os bens e serviços, inclusive para a pessoa humana (ele cria a
sociedade do efêmero, a sociedade do descartável, a sociedade dos
lixos, a sociedade do consumismo...).
A esses cinco elementos, Petrella acrescenta a "desconstrução completa
do político" das entidades espaço-temporais que são a cidade, a
região, a nação, o continente, o mundo. Tudo deverá ser reconstruído
para subverter a ordem globalizada (a ordem neoliberal) e construir um
mundo novo e uma sociedade nova.
A globalização econômica (ordem globalitária, ou triadetização –
originária da Comissão Trilateral: USA, Canadá, Inglaterra, Alemanha,
França, Itália e Japão, isto é, o G7, acrescido, a partir da segunda
metade da década de 90, pela Rússia, passando a compor o G8), sob a
égide da doutrina neoliberal, junto com os organismos financeiros
internacionais e privados nacionais, exigiram a aplicação da cartilha
do FMI, em especial nos países periféricos (México, Chile, Brasil,
Argentina, Tailândia, Malásia etc.). A cartilha do FMI são regras no
formato de manual para os governos realizarem os ajustes fiscais, as
privatizações, os cortes nos gastos públicos, os ajustes cambiais, a
abertura dos mercados financeiros e de produtos, a desregulamentação
da economia, a reforma da previdência, etc.
Esse processo cria, por um lado, as especulações financeiras
promovidas pelo capital volátil transnacional, resultando em
quebradeiras de várias economias nacionais (Rev. Exame, n.15, 2001),
como os pânicos vividos pelo México (1994, uma espécie de tipo ideal,
exemplo de ajuste bem sucedido), pela Tailândia (1997), pela Rússia
(1998), pelo Brasil (1999, que saiu bastante arranhado desse enrosco
financeiro) e pela Argentina (2001), que derrubaram a credibilidade de
suas moedas e impactaram nas demais economias, em decorrência do
chamado contágio (comercial – as relações de exportação e importação;
financeiro – diminui o interesse pelos títulos do país, entrando menos
dinheiro; cambial – a desvalorização da moeda nacional, em relação ao
dólar norte-americano, que é a moeda das transações). Nesta mesma
lógica deve ser colocada a desvalorização da bolsa de Shangai
(27-02-2007), que arrastou para o negativo todas as bolsas das
economias capitalistas. Por outro lado, esse processo gera o movimento
antiglobalização (um movimento anti-sistêmico) que, em novembro de
1999, em Seattle (A Batalha de Seattle), impediu a "Rodada do Milênio
da Organização do Comércio", reunindo mais de 100 mil manifestantes.
Os intensos protestos (Rev. VEJA, n.29, 2001) do movimento
antiglobalização ocorreram a partir da reunião do G8, em junho de
1999, na cidade de Colônia, reivindicando o perdão da dívida externa
dos países mais pobres. Passaram por Seattle (novembro 1999); por
Davos (janeiro de 2000, reunião do Fórum Econômico Mundial); por
Washington (abril de 2000, reunião anual do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional); por Praga (setembro de 2000, quando jovens
de 54 países debaterem os efeitos da globalização econômica. Há
confrontos com a polícia); por Quebec (abril 2001, reunião das
Américas, para a criação da ALCA – Associação de Livre Comércio das
Américas); por Gotemburgo (junho 2001, reunião da União Européia,
visando à ampliação e à integração); por Barcelona (junho 2001,
encontro do Banco Mundial – o debate aconteceu por teleconferência); e
por Gênova (julho 2001, reunião do G8, quando a polícia assassina um
jovem estudante, a primeira vítima do movimento antiglobalização).
Estes protestos tiveram seu auge em fins de 2005 durante a reunião da
Cúpula das Américas em Mar del Plata, impedindo a assinatura do acordo
da ALCA. Além dos protestos, o movimento antiglobalização organizou,
em janeiro 2001, na cidade de Porto Alegre, com a adesão de mais de 70
entidades e movimentos internacionais, o primeiro Fórum Social Mundial
para a construção de um mundo novo – com o objetivo de combater a
lógica excludente do capital mundializado – em substituição à nova
(des)ordem defendida, no Fórum Econômico Mundial (Davos), pelos novos
senhores do mundo (N. Chomsky) como representantes do grande capital.
A esse já se seguiram outros seis, aprofundando a temática do
movimento, com a crescente participação da sociedade civil. No
entanto, o FSM de 2007 expressa a crise em que está o movimento , que
tem por lema uma outra globalização é possível (a altermundialização).
Os EUA, como a economia capitalista hegemônica da segunda metade do
séculoXX, enfrentaram várias crises (guerra do Vietnã, do Golfo, do
Afeganistão, do Iraque etc.) que afetaram a economia mundial. Pela
transnacionalização do capital, a acumulação capitalista passou a ser
transposta para as regiões mais favoráveis ao capital, cuja
rentabilidade tornou-se mais atrativa, como nos últimos anos, as
economias asiáticas. Estas pressões econômico-financeiras atingiram os
Estados regidos pela doutrina keynesiana. Ela foi substituída pela
doutrina neoliberal, modelada pelo consenso de Washington. Isto
alterou o aparente "equilíbrio" entre as nações capitalistas
produtoras de matérias-primas e tomadoras de capital e de tecnologia e
as nações fornecedoras de capital e de tecnologia.
Na América Latina este "desequilíbrio" foi mais acentuado tendo em
vista a sua formação histórica na área da industrialização. Ela
ocorreu no modelo "da substituição das importações" – inicialmente, no
modelo nacional-desenvolvimentista e mais tarde no modelo da
interdependência, ou dependência negociada –, impulsionado pela
entrada das empresas transnacionais, que vieram para cá sem transferir
novas tecnologias (uma exigência do modelo chinês). A substituição das
importações, por produtos produzidos por estas empresas aqui, arrasou
os modelos de industrialização concebidos na linha do
nacional-desenvolvimentismo (Brasil, Argentina, etc.). No entanto,
apesar da aparência inovadora deste modelo, manteve-se no poder parte
das tradicionais oligarquias, que se associaram ao "novo capital",
formando uma "burguesia nacional".
É exatamente no plano político e jurídico que se manifesta o conflito
entre o capital, o trabalho, os meios de produção, a propriedade
privada etc. implantando-se os regimes militares frente à crescente
conscientização de movimentos populares e democráticos. Estes regimes,
desde a década de cinqüenta do século passado perpassam os países
latino-americanos – mantendo-se por quase quatro décadas -, aprofundam
e consolidam aquele modelo, aumentando a dependência
econômico-financeira, através da dívida externa e a dependência
tecnológica. Esta estrutura dependente intensifica e aumenta a
exploração, redefinindo o colonialismo vigente (parte-se para o
neocolonialismo tecnológico), dando-lhe feições de "modernização" e
"inclusão" no sistema-mundo, seja no campo da industrialização, no
campo do comércio, no campo financeiro e no campo
científico-tecnológico.
Contudo, o ressurgimento dos movimentos democráticos e populares na
América Latina possibilita um novo e amplo processo de democratização,
acabando com os regimes autoritários e ditatoriais. No entanto, mais
uma vez, a ascensão do povo ao poder não acontece. São as classes
dominantes do passado longínquo e do passado recente, que mantiveram
os povos latino-americanos afastados da escola, da política, da saúde,
da previdência social e da economia, que assumem "democraticamente" o
poder societal, para "evitar" que a América Latina trilhe seu próprio
caminho democrático e participativo.
Frente a isso, no cenário mundial, para manter a proemiência
sistêmica, os países centrais (capitalistas industrializados e o G7)
impuseram novas regras de relacionamentos comerciais (OMC),
financeiros (BM/FMI) e tecnológicos (Lei da propriedade
intelectual/industrial etc.), exigindo a "adaptação" dos
semiperiféricos e dos periféricos. Isto documenta-se no consenso de
Washington, cartilha da doutrina neoliberal, que liquida com o
consenso keynesiano, sustentáculo do Estado do bem-estar social.
Nesta lógica doutrinária enquadra-se a "necessidade" imposta da
formação de blocos econômicos, seja por regiões ou afinidades
estruturais e produtores de determinadas matérias-primas. A América
Latina já havia tentado com a Associação Latino-americana de Livre
Comércio (ALALC), com a Associação Latino-americana de Integração
(ALADI), com o Pacto Andino, com o Pacto Amazônico tal experiência. A
nova tentativa, com outra orientação doutrinária, conduz ao Mercado do
Extremo Sul (Mercosul), já que as tentativas de constituir o Mercado
Comum do Cone Sul não vingaram. Olhava-se muito, na época, para o
florescente Mercado Comum Europeu e a Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desta experiência européia
resultou a União Européia que se configura uma unidade que ultrapassa
as meras questões aduaneiras e tarifárias. Neste contexto surge,
igualmente, em 1994, o Mercado Comum da América do Norte (NAFTA) e as
tentativas de formar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA),
projeto norte-americano de um neocolonialismo científico-tecnológico e
comercial. A proposta norte-americana tem sua sustentação na doutrina
Monroe, tida como a referência ideológica de a América ser "dos
americanos", no caso, sendo mais explícito, "dos norte-americanos", ou
melhor, "dos americanos estadunidenses".
Assim, o neoliberalismo confirma seu projeto de conformação social,
política, econômica e doutrinária como "pensamento único", definindo
as políticas públicas do Estado e atribuindo ao livre mercado – do
sistema-mundo – as decisões sobre as pessoas, as organizações e as
instituições sociais.
A dita doutrina neoliberal – diferente do "neoliberalismo" que
construiu uma doutrina buscando elementos do socialismo – é uma
retomada histórica dos clássicos liberais feita por F.Hayek e M.
Friedman, que em 1947, reuniram em Mont Pélerin (Suíça), empresários e
intelectuais liberais para formar "uma frente liberal contrária ao
processo que já estava há alguns anos em gestão, de integração de
interesses nacionais para a recuperação da capacidade de crescimento e
da acumulação do capitalismo no pós-guerras. Os governos de Thatcher e
Reagan são emblemáticos da consolidação de tais mudanças no sistema de
acumulação capitalista entre os anos 70 e 80. O capitalismo se
justifica e legitima esta retomada neoliberal, como uma 'ordem
espontânea e ampliada', criada por um mercado competitivo, como
propunha Hayek, um de seus projetistas iniciais" (Melo, 2002).
Os blocos econômicos da América Latina
ALALC – Associação Latino-americana de Livre Comércio, criada, em
1960, pelo Tratado de Montividéu, proposta patrocinada pelo Brasil, a
Argentina e o México. A pretensão era estabelecer em doze anos (até
1972) uma zona de livre comércio, mediante a gradual redução das taxas
aduaneiras. Para tanto criou-se um sistema de listas de bens,
periodicamente renovável. A ALALC incrementou o comércio regional,
contudo problemas decorrentes da ausência de uma coordenação e
posições rígidas de parceiros, impediram o avanço deste projeto. Pelo
Protocolo de Caracas (1969), o prazo de consolidação foi postergado
para 1980. Naquele ano, na discussão para confirmar a área de livre
comércio, decidiu-se pela reformulação, donde emerge a ALADI.
ALADI – Associação Latino-americana de Integração, criada, em 1980,
pelo Tratado de Montividéu, como um organismo de integração econômica
intergovernamental, sendo partícipes a Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e
Venezuela, tendo como patrimônio histórico o passado da ALALC. A ALADI
não objetivava uma área de livre comércio, mas um sistema de
"preferências econômicas e comerciais" entre os signatários, donde
resultaria um mercado comum estimulado pelas "iniciativas
multilaterais flexíveis e diferenciadas", respeitado o estágio de
desenvolvimento de cada país. O formato de maior abertura ensejou
acordos fora deste espaço que, em princípio, parecia ser favorável ao
bloco, no entanto, determinou seu fracasso pelas diferentes opções
feitas pelos países membros.
MERCOSUL – O Mercado Comum do Sul, criado, em 1991, pelo Tratado de
Assunção, tem como sócios o Brasil, a Argentina e a adesão do Uruguai
e do Paraguai, resultante da integração entre Brasil e Argentina, que
foi firmada pelo Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento
Brasil-Argentina (1988), nos governos de José Sarney e Raúl Alfonsín.
Pelo Tratado de Buenos Aires, os dois países deveriam, na primeira
etapa, "proceder à harmonização das políticas aduaneira, comercial,
agrícola, industrial e de transportes e comunicações, assim como à
coordenação de políticas monetária, fiscal e cambial; em segunda
etapa, à conformação adequada das demais políticas necessárias ao
estabelecimento de um mercado comum". No entanto, com o Consenso de
Washington (1989) e a adoção da doutrina neoliberal no Brasil (com
Collor) e na Argentina (com Menem), concebe-se um mercado sob a
liberalização geral do comércio, em conformidade com a doutrina
neoliberal, presente no Tratado de Assunção. No avanço deste mercado,
o Mercosul realizou acordos de livre comércio, em 1996, com o Chile e
a Bolívia e, em 1998, com a Comunidade Andina de Nações (CAN). Em
julho de 2006, de forma precipitada, a assembléia aceitou a adesão da
Venezuela e o indicativo da inclusão da Bolívia, preterindo as
pretensões do Chile, previstas pelo acordo de 1996. Entretanto, o
grande objetivo do Mercosul de promover um acordo comercial com a
União Européia, até a presente data, não foi consignado. As
negociações para a formação da ALCA – Área de Livre Comércio das
Américas (de 1994 a 2005), fracassaram.
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas, idealizada por George
Bush, presidente dos EUA (1989-1993), com a proposta de criar uma área
de livre comércio do "Canadá à Terra do Fogo", tendo como principal
objetivo abrir mercados para que "os Estados Unidos, no contexto das
dificuldades para reduzir o desequilíbrio de sua balança comercial,
pudessem aumentar ainda mais as exportações de produtos para os países
da América Latina sem a necessidade de negociar com seus governos e
fazer outras concessões". Coube a Bill Clinton (1994-2001) convocar a
primeira assembléia dos chefes de Estado e de governo dos 34 países
(Cuba foi excluída) para a Primeira Cúpula das Américas (Miami, 1994).
Esta Cúpula decidiu concluir, o mais tardar, até 2005, as negociações
para criar a ALCA. Na segunda Cúpula das Américas (1998, Santiago do
Chile), os chefes de Estado avaliaram o estágio das negociações e
reafirmaram 2005 com a data de finalização do processo das
negociações. As discussões e negociações desenvolveram-se nos
seguintes grupos : Acesso a Mercados; Agricultura; Serviços;
Investimentos; Compras governamentais; Solução de controvérsias;
Direitos de propriedade intelectual; Subsídios, Antidumping e Medidas
compensatórias; e, Políticas de concorrência. Além destes, há três
outras instâncias: Grupo consultivo sobre economias menores; Comitê de
representantes governamentais sobre a participação da sociedade civil;
e, Comitê conjunto de especialistas do governo e do setor privado
sobre o comércio eletrônico. Este conjunto forma o Comitê de
Negociações Comerciais.
As dificuldades nas negociações oriundas do Mercosul, do Nafta e dos
impasses ocorridos na OMC e as restrições da União Européia à
suspensão dos subsídios e demais apoios à produção e à comercialização
de bens e serviços, resultaram no grande fracasso do projeto dos EUA
de implantarem a ALCA. Até que ponto o fracasso de um lado significa a
vitória do outro lado? Ao que tudo indica, os países que se opuseram à
ALCA, mormente o Brasil, a Argentina, a Bolívia e a Venezuela, estão à
margem das negociações comerciais bilaterais que os EUA estão
celebrando com a América Central, o Caribe e a América do Sul.
Sugere-se que sejam investigados aspectos relevantes da Comunidade
Andina de Nações e do Pacto da Amazônia .
************ÃO (PARTE II)
Visitar: http://www.adital.com.br/site/tema.asp?lang=PT&cod=15
MELO, Adriana. Apontamentos para a crítica do projeto neoliberal de
sociedade e de educação: a realização. Educação Temática Digital,
Campinas, v.3, n.2, p.55-70, jun. 2002.
PETRELLA, Riccardo. O desmanche do Estado. Cadernos Le Monde
Diplomatique, Edição Especial, n.2, janeiro de 2001, p.15-17.
Ler: Síntese avaliativa do Fórum Social Mundial de Nairobi
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=26404
SADER, Emir (Coord). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e
do Caribe. São Paulo: BoiTempo, 2006.
Visitar: http://www.ftaa-alca.org/alca_p.asp
Visitar: http://www.comunidadandina.org/
Visitar: http://www.amazonia.org.br/